Sobre Monstros
(Exposição coletiva "sobre monstros", 2022. Lona Galeria, São Paulo, SP)
A imagem do monstro debaixo da cama ou dentro do armário já habitou o imaginário de toda criança, e mesmo as culturas nas quais não existem camas ou armários elaboram histórias de seres malignos e aterradores. Na vida adulta eles continuam presentes, embora nem sempre condensados em formas únicas ou sequer separadas de nós. Alguns são insidiosos – como padrões impostos de comportamento, ideologias amplamente disseminadas e dogmas que se amalgamam com culturas vigentes -, enquanto outros se desenvolvem dentro de nossa própria subjetividade e, na maioria dos casos, são domesticados pelo código moral que nos foi ensinado. Estes costumam nos acompanhar até o último suspiro.
“Sobre monstros” parte de uma proposta curatorial semi-horizontalizada. Gabriel Pessoto e Gabriel Torggler foram convidados a indicarem artistas cuja produção dialogasse com a deles em termos conceituais ou formais. Com o conjunto definido, monstros e monstruosidades contemporâneas emergiram como um ponto que perpassa as pesquisas do grupo – o estranho, o bizarro, o que foge às convenções e aquilo que nos amedronta. Dos pesadelos às criaturas fantásticas, passando por convenções sociais opressivas e pulsões inconfessáveis, os monstros aqui se manifestam de diferentes maneiras.
distorções análogas, dupla formada por ᛈ⧩☈ର (Caroline Fernandes) e LDVC DMNQ (Vinícius Z. Chavarria) constrói seus desenhos simultaneamente, um processo “frankensteinista” que coloca suas subjetividades (e mesmo seus corpos) em estado de negociação constante. Gabriel Pessoto confronta os universos do ambiente doméstico e da pornografia através de estratégias que demandam uma visada atenta para captar as ironias do processo criativo. Gabriel Torggler apresenta obras recentes com materiais de construção civil, habitadas por criaturas em transição entre a figuração e a abstração. Os têxteis de Luciana Monteiro falam de um universo feminino sob a perspectiva das sombras que o ameaçam, como o machismo estrutural, e as sombras internas que resistem às regras comportamentais vigentes. Apropriando-se de imagens de acervos, Marina Woisky executa impressões distorcidas na fronteira entre o bi e o tridimensional. Por fim, Wagner Olino se vale do grotesco para expressar medos íntimos e coletivos em composições que buscam desconstruir o cânone e afirmar a feiura como resistência.
Diferentemente do que o cinema blockbuster ou a literatura best-seller nos apresenta, os monstros não são necessariamente medonhos ou abjetos. São familiares tanto em forma quanto em conteúdo, eternos, inevitáveis. Por vezes, mesmo quando não percebemos, têm a aparência do que costumamos chamar de belo.
​
Sylvia Werneck
março de 2022