Muito útil e enfeita
(Texto sobre o conjunto de trabalhos apresentado na exposição coletiva "Percurso da Memória", 2019. Lona Galeria - São Paulo, SP)
Musgo, baixo, fantasia (e suas mil variações), alto alongado, leque, margarida ou jasmins, tulipas e chevron, avelã, cruzado, baixo, rendado com argolas e diagonal, solto no avesso, atravessado no avesso, conduzido, desencontrado, baviera, grade ou labirinto, escondido, sobreposto; da ordem dos geográficos - peruano, ou das frutas - abacaxi, ou das casas - colmeia. Já era algo como parte setecentos de um grande compêndio de mil e trezentos e, a cada página que se virava, mais fundo íamos pra algum lugar da memória.
Me lembro de algum dia alguém ter me dito que, na Rússia, moveram uma cidade inteira para o outro lado de um rio, apenas para poderem coletar mais facilmente os impostos. Já pensou se fosse simples assim os lugares de remanejamento da memória? Com um ou dois movimentos, e algum toque de não-tão-bem-vinda burocracia, mudaríamos o ponto de encontro entre a afetividade dos corpos e as casas com gramados baixos aos domingos, dos lugares que os copos tomam na mesa, das mãos que escorreram por nossos corpos e nossos cabelos, das palavras ouvidas.
Parou de folhear o compêndio de mil e trezentos em algum lugar perto do oitocentos e cinquenta e nove, e nos perdemos pensando em todas cidades, flores, animais, enfim, tudo tornado palavra ali tornado ponto. Passou veloz pelas nossas cabeças uma revoada de pássaros de lã, um jacaré de jacquard, do posto um ao posto seis de Copacabana, feita de barbante. Nos perguntamos quanto ela pesaria, e se seria passível de engolir o mar.
Um vento passa e rasga nossas roupas, suas tramas agora não mais são de tecido e já são cinco horas da tarde em algum domingo da infância. Fecho os olhos e olho pro sol, e a cor da luz filtrada pelas minhas pálpebras cerradas é a única da qual não lembro alguém um dia ter dito o nome.
Guilherme Teixeira
junho de 2019