Questões de estilo integra o projeto online 10 desertos de erros. Acesse clicando aqui.
Questões de estilo, parte do projeto 10 desertos de erros, detive meu olhar sobre as muitas imagens espalhadas por diferentes HDs observando manifestações estéticas em objetos decorativos e roupas. O recorte temporal dessas imagens, que atravessa parte da primeira década dos anos 2000 e se estende, até onde pude notar, 2012, já apresenta um distanciamento que possibilita perceber de que forma um repertório estético, de tendências e gosto moldou a visualidade desse passado recente. Em um momento onde gerar imagens se tornava mais acessível graças às câmeras cyber-shot e aos primeiros celulares equipados com câmera, alguns paradigmas são criados e misturados aos rituais já tradicionais relacionados à fotografia. Ao mesmo tempo que os eventos e solenidades (festas de aniversário, viagens e reuniões de família) são privilegiados e registrados, eventos corriqueiros e selfies passam a ser armazenados, tal qual imagens salvas de navegações pela internet. A partir de estampas em peças de vestuário, objetos decorativos do lar como toalhas de mesa e sofás, montei uma espécie de catálogo (restrito às imagens dos HDs) de questões de estilo e gosto desse momento. A coleção de texturas, ilustrações e elementos gráficos presentes nesses itens cotidianos serve enquanto uma ferramenta para pensarmos sobre questões de gênero, classe, tecnologias têxteis e influências estrangeiras, tendo em vista o grande volume de palavras e frases em inglês e personagens da cultura pop internacional presentes por aqui, em terras latino-americanas.
O trabalho se apresenta, por fim, em dois momentos. No primeiro, enquanto uma colagem digital onde organizei um volume expressivo de imagens coletadas ao longo do processo. Esse painel contextualiza visualmente os interesses e dispositivos empregados no olhar feito sobre o material. O segundo momento, logo abaixo, possibilita a interação das pessoas visitantes. 60 ícones, pequenas imagens extraídas dessas memórias alheias, podem ser movidos sobre um painel de de ruído digital, um glitch, que se assemelha a uma trama têxtil digital. Reposicionando esses pequenos elementos sobre o tecido digital, é possível criar novas composições decorativas e conversas entre esses itens decorativos. Dessa forma, além de remeter a uma cultura recente de stickers muito utilizados em aplicativos de trocas de mensagens hoje, Questões de estilo também recria uma dinâmica semelhante ao que se praticava em jogos na internet menos elaborada do que é hoje, onde mover ícones e vestir pequenas bonequinhas já garantia muitas tarde de diversão.
10 Desertos de Erros” é a segunda edição da plataforma digital desenvolvida através da arqueologia de mídias obsoletas.Seu arquivo é composto por mais de duas centenas de HDs resgatados de galpões de reciclagem de lixo eletrônico e cujo conteúdo foi recuperado.
O site apresenta 10 edições, cada uma composta por 1 zine digital, contendo imagens e som. Cada edição foi dirigida por Leo Caobelli em colaboração com outros 10 artistas visuais. Já a trilha foi composta por Leo junto com 3 artistas do som.
Artes Visuais:
Joana Burd (Brasil), Egle Saka (Lituânia), Romy Pocz (Brasil), Paulo Fehlauer (Brasil), Fernanda Medeiros (Brasil), Diego Vidart (Uruguai), Thomas Kuijpers (Holanda), Nicole Kouts (Brasil), Gabriel Pessoto (Brasil), Carine Wallauer (Brasil)
Artes Sonoras:
Valmor Pedretti Jr. (Brasil), Paula Rebellato (Brasil), Carlos Ferreira (Brasil)
Designer: Leonardo Pissetti
Programador: Paulo Fehlauer
Este projeto tem o apoio do Rumos Itaú Cultural 2019-2020.
No início deste 2022, enquanto subia o banco de dados recuperados na nuvem para que cada artista pudesse acessar os arquivos e criar seus zines, o Google Drive acusou o upload como uma tentativa de pitching, ou seja, a disseminação de vírus em sua base de dados.
Ironicamente os vírus detectados pela “inteligência artificial” da gigante do vale do silício eram apenas fotos corrompidas, erros dos mais diversos, inofensivos e belos. Recebi uma série de emails de notificação, 60 dos um milhão de arquivos que subi na nuvem haviam sido identificados como material potencialmente perigoso. Assim, numa manhã que começou às 5:20, fui desconectado definitivamente e sem direito à revisão de uma conta com 17 anos de existência. Todos os emails se foram, as pastas do drive, as fotos… deletados por serem perigosos.
Claro que por circular entre desertos de erros tenho o hábito de manter backups, mas me espantou a forma abrupta de desconexão em relação a essa fé atual de que a nuvem tudo salva, melhor que os HDs obsoletos que aqui revivem.
Passada a raiva contra a máquina peguei um papel e escrevi o texto enviado a cada artista para pensar seu zine:
“Preâmbulo às instruções oraculares”,
Quem compra um disco rígido espera estar comprando espaço de armazenamento. Mal sabe que, na verdade, está comprando tempo. Talvez até esteja comprando este novo disco para substituir um que acabara de se tornar obsoleto. Como todo dispositivo tecnológico de consumo em massa, esse HD vem carregado com um item de fábrica obrigatório: um relógio de falhar. E sim, invariavelmente você irá perder. Perderá as fotos do nascimento, das férias, das festas. Perderá a declaração de imposto de renda, a dissertação de mestrado, o projeto que deveria ser entregue na próxima segunda. Você perderá. Esses são dados viciados. Dissipa a névoa, não existe pedaço no céu, na nuvem, não há éter digital, ali você compra tempo no espaço do outro. Há, porém, algo libertador em jogar uma partida perdida e abraçar a inevitabilidade da derrota, do fracasso, do naufrágio. Não há backup para sonhos. Mantenha suas pastas organizadas. Dados rolam.
Leo Caobelli, 2022.