Blusão
Texto escrito para a exposição "Blusão"
realizada em 2025 no Massapê Projetos, São Paulo.
foto: Estúdio em Obra.
Um blusão não se faz do dia para noite nem se aprende a fazer de uma hora para outra. Não é de arremate fácil – como também não o é o trabalho de Gabriel Pessoto. Como se sabe, seu interesse pelo têxtil extrapola e muito a fixação de pontos de lã sobre a talagarça e a memória afetiva ou doméstica que seus assuntos muitas vezes evocam à primeira vista.
A estrutura que emoldura o bordado (e constrói junto com ele o corpo que abriga o blusão) evidencia a relevância da pesquisa e experimentação com a forma e a materialidade do suporte na obra de Pessoto. A própria noção de moldura enquanto espaço-limite de corte e edição de imagem também é assunto de interesse do artista. Nesse sentido, as estruturas tridimensionais são parte importante de sua obra e vêm sendo, ao longo de seu percurso, experimentadas, de diversas formas, como dispositivos que chamam a atenção para o que media o contato com a imagem e o que se emula a partir dela e com ela, de mobiliários domésticos a estruturas arquitetônicas e displays eletrônicos, além da reflexão sobre a funcionalidade da moldura em si.
Pessoto olha fundo, a fundo e ao redor do que compõe e exibe a imagem, entendida por ele como um sistema de códigos e de programação que, no cotidiano de uma sociedade digital, torna-se cada vez mais passível de interferência técnica e semântica. Longe de ser um fim, o bordado (sendo ele mesmo um instrumento de programação) mostra-se um meio importante de construção, edição e manipulação de imagem.
Da interface das telas digitais aos padrões de instruções de bordados, publicações, fotografias, obras e desenhos, o repertório que o artista edita é composto por referências que extrapolam o campo da arte e que, em âmbito individual e coletivo, são parte da formação de nossa subjetividade e visão de mundo, acenando para a reflexão crítica sobre noções como gosto e comportamento. Em Blusão, que recorre ao recurso de recorte e ampliação de uma imagem orginalmente gerada com fins de instrução, vemos como sua pesquisa o tem conduzindo também a um aprofundamento sobre as possiblidades da cor, da forma e da textura.
Em sua prática artística, Gabriel Pessoto forma e reforma pontos ainda sem nó no contexto da arte contemporânea, às voltas com a proliferação das imagens, com suas perdas e ganhos, e as manipulações tanto de seus sentidos quanto de suas formas de circulação. Quanto mais rodeamos seu Blusão mais nos aproximamos de suas discussões, que, em muitas medidas e escalas, também nos revestem.
Amanda Tavares
Fevereiro de 2025
Amanda Tavares é doutora e pós-doutora em historiadora da arte, atua como curadora e pesquisadora em exposições e publicações de arte. Entre seus trabalhos mais recentes, estão a coordenação editorial da 14ª Bienal do Mercosul (2025), a curadoria adjunta na exposição Fullgás: Artes Visuais e anos 1980 no Brasil (2024-2025) e a assistência de curadoria de programas públicos e pesquisa de conteúdo na 22ª Bienal SESC_Videobrasil (2023-2024). Foi bolsista do projeto MASP-Pesquisa (2022-2023) com projeto dedicado à produção têxtil de Madalena Santos Reinboldt. Nos últimos anos, têm se dedicado à pesquisa sobre os usos e sentidos da noção de “arte popular”.